A gênese do narrador

Conheci Julián Fuks lendo A Resistência. Livrão. A melhor primeira página de um romance que li em muito tempo, muita fluidez, texto bonito sem afetação. Perdi as contas de quantos amigos presenteei com ele. Baita livro.

Algum tempo depois conheci Julián pessoalmente no lançamento da Flac. Um cara magnetizante. Sóbrio, seguro, muito consciente do seu projeto literário, zero egolatria. Ouviu os elogios dos leitores olhando nos olhos e agradecendo com muita polidez. Não transpareceu vaidade. Um cara massa.

A junção dos dois episódios – leitura do livro e palestra na Flac – me deixaram com vontade de ler mais de Julián. Foi aí que cheguei em Procura do Romance, um livro que ele havia lançado em 2011 pela Editora Record.

Falar de Procura do Romance é até difícil. Nas primeiras linhas eu sequer reconheci o autor. Escrita gordurosa, prolixa, frases grandes, uma construção de texto tão pomposa quanto vazia. Enredo frouxo e bobo. Um livro ruim, que mal consegui terminar a leitura.

Mas tê-lo em mãos me fez pensar bastante coisa. Quatro anos o separam de A Resistência, um livro que recebeu o prêmio José Saramago e o Jabuti – duas das principais honrarias literárias em língua portuguesa. Um romance monumental. Pensei no quanto Julián amadureceu enquanto narrador neste espaço curto de tempo. De um fracasso (jogar no Google o título Procura do Romance é encontrar resenhas raras e bem pouco generosas com o trabalho do autor) a um livro espetacular, reconhecido, premiado.

Lembro de ter ouvido, durante uma entrevista que fiz para o jornal O POVO, a autora Marina Colasanti me dizer: trabalho de escritor se faz todos os dias. Todo dia escreve um pouquinho. Nem que seja pra achar ruim e jogar fora.

Imaginei quantos textos Julián jogou fora depois de Procura do Romance até formar bagagem e encontrar a maturidade literária necessária para escrever A Resistência. E concluo que talento nenhum nasce pronto. Não há bom trabalho literário sem grande esforço e desgaste. Tentei elucubrar o foco e a persistência de Julián nesses quatro anos entre um livro e outro. Fica o exemplo: a boa escrita é um exercício de paciência e constância. E o resultado pode ser verdadeiramente arrebatador.

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